Parte 1 - Polonês que fez esculturas da catedral de Erechim tem obras reveladas

Vinte e oito municípios brasileiros, incluindo três gaúchos – Passo Fundo, Erechim e Dom Feliciano –, abrigam a obra muitas vezes anônima de um dos mais impressionantes vitralistas do mundo. O polonês Arystarch Kaskurewicz ( 1912 – 1989) criou dezenas de esculturas e vitrais, a maioria exposta em igrejas e instituições religiosas, sem assinatura do artista. O que torna Kaskurewicz um exemplo de superação e determinação é o fato de ter executado sua obra apesar de uma grave deficiência física. Numa das primeiras batalhas da II Guerra Mundial, ficou cego de um olho e teve as duas mãos amputadas. Foi salvo pela sorte e pelo apoio de religiosos na Alemanha e no Brasil, para onde se transferiu em 1952.

Nascido em 12 de fevereiro de 1912, Kaskurewicz graduou- se em direito e obteve um doutorado em Varsóvia antes de ser incorporado ao exército polonês. Mal treinada e sem recursos, a força polonesa não pôde opor mais do que uma débil resistência à máquina de guerra nazista em setembro de 1939, no primeiro capítulo da II Guerra Mundial. Atingido pela explosão de uma granada e desacordado, Kaskurewicz chegou a ser dado como morto e lançado numa vala comum entre dezenas de cadáveres. Conseguiu pedir socorro e foi levado a um hospital de campanha, onde teve as mãos amputadas.

– Era um período de convulsão social em toda a Europa, e meu pai migrou para a Alemanha onde fez o curso de artes plásticas, país em que eu nasci – conta o filho de Kaskurewicz, Eugenius, que reside no Brasil.

Na Alemanha, Arystarch revelouse um artista de grande expressão. Com a mulher, Ludmila, e o filho, que dele dependiam, passou a sobreviver compondo murais e vitrais para igrejas e capelas, como a igreja de Lübeck, na Alemanha. A maneira como conseguia compor sua arte, usando trapos, tintas e a tampa de uma lata de conserva, logo cativou os padres alemães, que passaram a auxiliar o artista a se evadir da perseguição aos poloneses, buscando refúgio no Brasil, onde já residia um irmão de Kaskurewicz. Vários pedidos foram feitos ao governo pelos padres alemães, por intermédio da Conferência Nacional Católica de Bem- Estar (National Catholic Welfare Conference), até que, em 1952, o presidente Getúlio Vargas editou um decreto concedendo autorização especial para que o artista imigrasse.

Radicado em São Bernardo do Campo, ele passou a trabalhar como vitralista numa casa especializada de São Paulo, a Casa Conrado. O seu traço anônimo foi sendo deixado em centenas de obras espalhadas pelo Brasil. Aqui e ali, deixava nos vitrais e pinturas a sua marca, incluindo símbolos e rostos que faziam com que amigos e pessoas próximas identificassem seu trabalho.

– Ele precisava retratar muitos rostos, então usava os mais conhecidos. No Salão Nobre da Beneficência Portuguesa, em São Paulo, deixou seu próprio rosto imortalizado em um dos desenhos – afirma Eugenius.

Por sua deficiência, o artista chegou a ser chamado de “ segundo Aleijadinho”. Na maior parte anônimo, o acervo de Kaszkurevicz ainda está sendo mapeado. A surpreendente forma como usava os pulsos para fazer as obras de arte acabaram por criar um estilo inconfundível, com a predominância de formas retas. Suas obras estão espalhadas desde o interior gaúcho ao nordeste do país, como Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas, Santo André, Cuiabá, e também no Exterior, como Montevidéu, no Uruguai. Arystarch morreu em 1989, aos 77 anos, em São Bernardo do Campo, onde residia com a mulher.

– Ele não deixou que a deficiência física se transformasse em obstáculo. Tinha um projeto de vida, de marcar várias igrejas com obras e levou adiante. Era sua forma de mostrar gratidão pela forma como havia sido acolhido pelo Brasil – afirma o filho.

Entre as heranças deixadas por Kaszkurevicz, segundo Eugenius, estão o exemplo da honestidade – ele dizia que não veio para o Brasil a fim de “fazer a América”, no sentido de buscar ganhos ou vantagens – e escreveu um livro sobre sua obra, que agora será editado pelo filho. O material sobre arte monumental, ainda manuscrito, é um tesouro testemunhal em que o artista explica suas técnicas na confecção de vitrais e esculturas com esgrafito à fresco.

Por: Marielise Ferreira

Fonte: Clc RBS Erechim

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