Quatro Irmãos - Cemitério Israelita comemora vinte anos como Patrimônio Histórico
No fim do século 19 e começo do século 20,
a maior parte do ishuv (comunidade judaica mundial) vivia nos limites do
império tzarista, em áreas próprias para este fim.
por Salus Loch – Especial para o Site da
FIRS
A opressão e o isolamento sob o jugo
russo, porém, eram cruéis. A liberdade fora substituída por sofrimento,
violência e medo. Como lembra Moacyr Scliar no prefácio do livro ‘Numa Manhã
Clara de Abril’, de Marcos Iolovitch, inúmeros eram os obstáculos para que os
judeus, confinados em aldeias, trabalhassem a terra, frequentassem as
universidades e exercessem a cidadania.
O sonho de uma vida melhor, no entanto,
jamais desaparecera. Para muitos, ele se concretizou de duas formas: pela aliá
(imigração judaica) à terra de Israel, e pela emigração para o Novo Mundo.
Os que optaram pelo Novo Mundo,
patrocinados pela Jewish Colonization Association (ICA), começaram a aportar na
América do Sul via Argentina no fim do século 19. Mais tarde, duas novas levas
foram dirigidas ao Brasil, nas Colônias de Philippson, região de Santa Maria,
em 1904; e Quatro Irmãos, região de Erechim, nos anos de 1911, 12 e 13.
A memória dos desbravadores desta última
colônia, a de Quatro Irmãos, resta, mais de 100 anos depois da chegada dos
primeiros emigrantes, representada por dois importantes símbolos: o antigo
hospital, transformado em casa de cultura e memorial da imigração judaica
(revitalizado em 2012, graças à participação da Federação Israelita do RS); e o
cemitério israelita, que comemora em maio de 2017 os 20 anos de seu tombamento
como patrimônio histórico, numa iniciativa liderada pelo então vereador
erechinense, Valdemar Artur Loch. À época (1997), Quatro Irmãos – hoje
município – era um Distrito de Erechim.
É
deste cemitério que vamos falar um pouco mais, a partir de agora.
Serenidade em meio aos eucaliptos
Os Eucaliptos que ornamentam o entorno do
Cemitério Israelita de Quatro Irmãos emprestam um ar sereno e de beleza cênica
ao espaço fundado em 1913, conforme aponta Samuel Chwartzmann, em seu livro
‘Memórias de Quatro Irmãos’.
A conservação da área, sob os cuidados da
Sociedade Israelita de Erechim, é mantida com a participação das famílias que
lá têm seus entes queridos e também graças a duas áreas de terra doadas pela
ICA para este finalidade, ainda na década de 1960; uma em frente ao cemitério,
onde foi construída uma moradia de zelador; e a outra, num total de dois
alqueires (cerca de 5 hectares), localizada na comunidade de Rio Padre, que
rende dividendos a partir do seu arrendamento, ajudando no custeio do
cemitério.
Já o poder público de Quatro Irmãos, de
acordo com o prefeito Adílson De Valle, presta assistência sempre que
necessário, especialmente, na manutenção da estrada que leva ao cemitério,
localizado no alto de uma coxilha, e na reparação de túmulos eventualmente
marcados pelo tempo ou por ações de vândalos.
No Cemitério de Quatro Irmãos estariam
enterrados 84 homens, 71 mulheres e 17 crianças e outros (172 pessoas, no
total), conforme levantamento realizado por Samuel Chwartzmann. O número, no
entanto, diverge ligeiramente do trabalho realizado por Marcos Feldman, autor
que também escreveu a respeito da colonização. De acordo com Feldman, em seu
livro ‘Memórias da Colônia de Quatro Irmãos’, o total de homens seria de 82, já
as mulheres seriam 72, e as crianças e outros 17 (171 pessoas, no total). Tanto
Chwartzmann quanto Feldman moraram em Quatro Irmãos com suas famílias. Feldman
tem parentes lá enterrados.
A diferença de dados parece ser explicada
pelo fato de que, conforme a própria obra de Samuel Chwartzmann, ao longo dos
anos alguns túmulos deixaram de existir, sendo que outros tantos estão com as
inscrições, feitas em idisch, apagadas. Algumas lápides, aliás, não possuem
sobrenomes – dificultando a identificação.
De Quatro Irmãos para o mundo
Para Maurício Agranionik, presidente da
Sociedade Israelita de Erechim – e que responde pelos cuidados do cemitério há
quase duas décadas – a preservação do espaço é vital para manter vivo o legado
daqueles pioneiros que foram os responsáveis pela expansão e distribuição dos
judeus por todo o Rio Grande do Sul e, também, pelo País. Muitos, ainda,
ganharam o mundo – inclusive migrando para Israel.
Produtor rural bem sucedido, Agranionik,
que tem os avós enterrados no cemitério, é um dos poucos descendentes de
imigrantes que segue com atividades na região. Aos 86 anos, porém, ele não
pensa em se afastar das lides do campo – para as quais conta com a presença
constante do filho, Hércio.
Agranionik, de igual sorte, não foge à
responsabilidade para com a comunidade judaica de Erechim, nem tampouco com o
cemitério. O sentimento é dividido com a esposa, Helena, e o próprio Hércio,
que ajudam Maurício no processo constante de mobilização dos patrícios.
O grupo abnegado, ou Chevra Kadisha
Conforme Samuel Chwartzmann, em sua obra
‘Memórias de Quatro Irmãos’, havia uma associação ligada diretamente ao
cemitério de Quatro Irmãos. Era a Chevra Kadisha, composta por cerca de 20 a 30
homens e mulheres que, de forma voluntária, tinha o trabalho de preparar o
morto e levá-lo à sua última morada. A sociedade era dirigida por duas pessoas:
um gabe Rishon (1º presidente) e um gabe sheini (2º presidente), a quem todos
os demais deviam obediência.
Quando morria alguém, conta Chwartzmann, o
gabe destacava as tarefas: tantas pessoas para fazer o caixão, pois não havia
prontos; tantas para costurar a mortalha e outras para lavar e vestir o morto.
Geralmente, quatro pessoas abriram a cova. Tal trabalho era feito, obrigatoriamente,
por judeus e não havia qualquer remuneração.
A existência da Chevra Kadisha, todavia,
não tinha como única finalidade ajudar aos mortos. Quando uma pessoa adoecia
por longo tempo, e a família estava exaurida de passar noites em claro, o gabe
reunia os membros da sociedade e destacava dois membros para substituir a
família na tarefa. E lá passavam em sistema de revezamento o tempo suficiente,
esperando a cura ou a morte do adoentado.
Essas são as razões para que esse grupo,
que havia em todas as vilas, povoados e cidades, fosse chamado de grupo ‘santo’
ou ‘abnegado’. A única contribuição que esperavam era receber o mesmo
tratamento quando chegasse a sua vez de morrer ou quando ficassem doentes.
Relação das famílias enterradas
O cemitério de Quatro Irmãos tem
delimitações de espaço próprias para homens, mulheres (cada um com quatro
quadras) e crianças. A seguir, segue a relação das famílias que têm um ou mais
entes lá enterrados.
Abramovitch;
Agranionik; Arenzon; Antevi; Bacaltchuk; Barenchtein; Baron; Baruch;
Bereziniak; Berger; Berlin; Betem; Blechierene; Blovchtein; Boianovski;
Brochman; Bujanski; Cachanovitch; Chaper; Charchadt; Davidson; Dikler; Exman;
Faerman; Faiguenboim; Faingluz; Feder; Feldman; Feler; Fialcoff; Fippson;
Fischman; Flaks; Frenkel; Gazul; Gitz; Guendz; Golkin; Grimblat; Grobopatil;
Gudis; Guilherme; Heker; Huberman; Iochelovitch; Ioschpe; Kanfeld; Kantor;
Kautz; Kives; Kogan; Kohan; Kohen; Kosminski; Kotlarenko; Kreitchman;
Kreitzman; Krigel; Krost; Lavinski; Lechtman; Leibovitch; Leitchik; Lerner;
Liberman; Lichtenstein; Litvin; Maguilnik; Matone; Matune; Melnick; Moscovitch;
Muller; Nagelstein; Naiberg; Perelman; Peretchinski; Pinski; Prikladnitzki;
Precladnitzki; Press; Rabecov; Rabin; Raskin; Roizman; Rosenberg; Rudnitzki;
Scarsinski; Scherir; Schmidt; Schpilkis; Schpitzkovski; Schrir; Schukster;
Schwartz; Schwartzman; Schwer; Sirotski; Starosta; Tabatchinik; Tavejnianski;
Tcherniacovski; Utchitil; Wainer; Wainstein; Wiuniski; Zatz; Zelter.
Fontes:
‘Memórias da Colônia de Quatro Irmãos’, de Marcos Feldman; e ‘Memórias de
Quatro Irmãos’, de Samuel Chwartzmann.
Curiosidades
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Recentemente, a Sociedade Israelita de Erechim fez uso da tecnologia para
revigorar o cemitério de Quatro Irmãos. Um site foi utilizado pela entidade a
fim de receber recursos para garantir as melhorias necessárias. A iniciativa
deu certo, e ajudou a manter limpo e organizado o espaço.
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O registro dos últimos enterros realizados no cemitério israelita data de 1979,
anos após o fim das cerimônias no local. Os dois últimos corpos lá enterrados
são de: Gregório Maguilnik e Nechame Iovchelovitch.
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A iluminação na vila de Quatro Irmãos, até a década de 30, era feita com o uso
de lampiões. Nesta época, no entanto, seria instalado o primeiro gerador de
eletricidade no moinho de Jayme Melnick, aproveitando-se de uma queda da água.
A história é contada por Marcos Feldman, em sua obra ‘Memórias da Colônia de
Quatro Irmãos’.
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A Revolução de 1923 causou estragos profundos à colônia de Quatro Irmãos.
Mortes e abandonos de terra foram registrados no período do conflito entre
‘Chimangos x Maragatos’ e, também, nos anos seguintes. Muitas famílias deixaram
tudo para trás, e jamais retornaram à colônia, buscando vida nova em cidades
como Erechim, Passo Fundo e Porto Alegre.
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